domingo, 27 de julho de 2014

O TRABALHO DA ESQUINA

     O mercado de trabalho dos EUA apresenta uma dinâmica invejável para diversos outros países. Com alta flexibilidade para as contratações e demissões e os baixos custos relacionados a essas transações, o trabalhador encontra maior facilidade em alugar a sua mão-de-obra. Como resultado, o país apresenta uma das menores taxas de desemprego no mundo, o que reduz os gastos públicos com programas sociais relacionados à perda do emprego e, ao mesmo tempo, permite que o motor da economia continue a funcionar.
Essa flexibilidade está presente não apenas em empregos que exigem alta qualificação, mas, em especial, ocorre no mercado para trabalhadores com menor qualificação, como na construção civil, transportes, serviços domésticos diversos, comércio e demais atividades relacionadas no setor terciário. Tal como um grande mercado de venda de produtos, o mercado de oferta e demanda de mão-de-obra com essas características funciona em diversas cidades nos EUA. Porém, o país não está isento de conviver com um mercado de trabalho informal e, diferente do que presenciamos no Brasil, nos EUA esse mercado tem uma característica temporal.
Um estudo recente[1] que explora as características desse mercado informal nos EUA, entrevistou mais de 2,6 mil trabalhadores em 139 municípios, e revela aspectos interessantes. O “day labor” , como é conhecido o trabalhador que oferece a sua mão-de-obra por hora a cada dia, já é uma atividade que envolve cerca de 117.600 pessoas em diversas cidades no país. Esse mercado atingiu tal grau de importância em determinadas cidades que inclusive foram construídos lugares específicos onde os trabalhadores se reúnem na expectativa de encontrar uma atividade para o dia. Em todo o país são cerca de 63 “worker center”. Nos municípios onde não existe esse local formal, há um local escolhido informalmente, geralmente uma esquina.
Em um primeiro momento pode-se imaginar que esse tipo de relação não é saudável para ambas as partes. Porém, é justamente essa estrutura que permite aos migrantes de outros países, que procuram nos EUA um melhor meio de vida, encontrarem trabalho rápido e, assim, poderem almejar uma melhor posição social futura. Ao mesmo tempo que possibilita a realização de diversos trabalhos temporários úteis para o funcionamento da economia que não seriam possíveis de se concretizar na presença de uma regulação rígida e cara.
A mesma pesquisa revela que cerca de 59% dos “day labor” nasceram no México, outros 28% na América Central e cerca de 7% nasceram nos EUA. O que explica em parte a existência de trabalhadores americanos nesse mercado é o fato de que 63% dos “day labor” possuem filhos nascidos no país e, desses, 28% também são trabalhadores diários.
Mas, diferente do mercado informal no Brasil, a permanência do trabalhador nesse tipo de mercado não é definitiva. Cerca de 75% desses trabalhadores participam do mercado de oferta diária de trabalho por um tempo não superior a 3 anos, o que sugere a existência de uma transição de emprego entre os diferentes setores da economia. A pesquisa também revela que 75% desses trabalhadores não possuem documentação regular nos EUA, indicando que esse tempo de transição entre o emprego informal e um mais qualificado e com registro, pode estar intimamente relacionado ao período necessário para ocorrer a sua regularização no país.
Como era de se esperar em qualquer mercado com essas características, a remuneração é baixa, em média US$ 10/hora. Além disso, apresenta uma elevada oscilação. Em períodos do ano considerados bons, os rendimentos chegam a cerca de US$ 1,5 mil/mês e com um mínimo de US$ 500/mês para os piores meses, com menor demanda. Na média do ano, os vencimentos do trabalhador nesse mercado dificilmente ultrapassam os US$ 15 mil estando, portanto, abaixo da linha de pobreza determinada pelo governo federal.
Se por um lado o mercado de trabalho de esquina nos EUA tem ajudado o migrante a encontrar uma atividade laboral, evitando, assim, maiores problemas sociais, por outro é importante reconhecer que esse sistema possui falhas. Tanto o rápido crescimento do número de trabalhadores migrantes nos últimos anos, quanto a violação de diversos direitos trabalhistas, tem sido um constante desafio para as autoridades em qualquer nível de governo no país.
Porém, as propostas apresentadas convergem para a necessidade de melhor capacitar o trabalhador para o mercado, investindo na sua qualificação, e não tem foco na garantia de emprego. A visão não é de assistencialismo, e sim de criar oportunidades para que esse trabalhador consiga migrar para uma melhor condição de emprego e vida. De qualquer forma, tanto a experiência do mercado de trabalho de esquina nos EUA quanto a forma com que as autoridades estão encarando o problema, são úteis para embasar as discussões no Brasil.  

Publicado no Informe Econômico/FIERGS 24/07/2006

Nenhum comentário:

Postar um comentário