domingo, 27 de julho de 2014

COMO CHEGAMOS ATÉ AQUI

Apesar do alerta em tempos passados e das constantes publicações acerca da necessidade de um ajuste nas finanças públicas do Estado do Rio Grande do Sul, todos os governos passados em pouco, ou quase nada, contribuíram para a resolução estrutural de dois problemas crônicos: uma despesa acima das receitas e uma má alocação dos recursos arrecadados com impostos e contribuições.
Durante anos, a inflação elevada ajudou tanto a União quanto os Estados brasileiros no ajuste financeiro de suas despesas. Porém, com o fim desse arranjo perverso que deteriorava o poder de compra da parcela da população que não podia se proteger de maneira adequada, os governos local e nacional se viram diante de um grande problema a resolver: como equilibrar receitas com despesas.
Infelizmente, essa visão empresarial de gerência não se encontra enraizada na maioria dos gestores no Brasil em todas as esferas de administração pública. No caso do Rio Grande do Sul, na ausência do benefício inflacionário, os sucessivos governos lançaram mão de diversos instrumentos para fazer frente a esse desequilíbrio, como por exemplo, as privatizações e concessões, o uso de instrumentos contábeis como o caixa único e também a elevação de impostos. Para complementar a má gestão dos ativos e passivos públicos, a partir do plano Real verifica-se um processo de sucessivos equívocos administrativos e políticos, como por exemplo: os constantes reajustes de salários muito acima da inflação, a manutenção e, em alguns caso, até a ampliação de privilégios previdenciários não condizentes com as melhores práticas atuariais, a má alocação de recursos em programas populistas e a manutenção de empresas públicas ineficientes e deficitárias. Esses fatores, em conjunto ou isolados, colocaram diversos estados da federação em rota de colisão com o aumento da demanda por bens públicos por parte da sociedade.
Aos poucos, foi possível notar o processo de falência nessa relação entre a sociedade e os governos que se manifestou de diversas maneiras, como o aumento da violência, a piora nos serviços de saúde e a deterioração dos ativos públicos como rodovias, ferrovias, hidrovias, aeroportos, infra-estrutura urbana e prédios públicos. Algumas tentativas de corrigir esses desequilíbrios foram feitas com o intuito de dar mais dinamismo ao Estado, como as concessões e privatizações, mas infelizmente esbarraram tanto na barreira ideológica quanto na ausência de um planejamento que pudesse definir regras claras nesse processo, o que acabou por suscitar questionamentos sobre a eficiência de tais mecanismos de relação entre setor público e privado. Vale ressaltar que tais motivos também foram responsáveis pela dificuldade em implementar as PPP (Parcerias Públicos Privadas), projeto que vai ao encontro de um arranjo mais dinâmico do processo de oferta de bens públicos. Destaca-se que tal cenário de deterioração aplica-se não apenas na esfera federal, mas também em estados e municípios, mesmo que em uns de forma mais abrupta e intensa que outros, mas visível diante de um crescimento populacional e da manutenção do processo de urbanização no país.
Atualmente, os problemas gaúchos são uma fotografia reduzida das questões nacionais sem prejuízo de sua significância porém, com o agravante de que não se pode contar com os recursos de maquiagem que a liberdade de política monetária permite à União. Além disso, esse quadro tem se agravado ano após ano, na medida em que os governos postergam a passagem do discurso para a ação. O debate sobre o ajuste estrutural do Estado está na pauta das principais instituições de classe da sociedade gaúcha e, a entrada de um novo ciclo político é a oportunidade para que as vozes dos eleitores sejam ouvidas e que seja possível criar um Rio Grande mais moderno, e que seja para todos.
       Nos próximos informes econômicos, estaremos abordando os principais temas de reforma do Estado a partir de uma perspectiva de finanças públicas. Serão considerados aspectos como a reforma do sistema previdenciário e suas implicações para a economia gaúcha: como seria possível eliminar privilégios no setor público e permitir uma adaptação dos gastos do Estado às suas receitas. Além disso será discutido o papel do Estado na promoção do desenvolvimento econômico e a questão do incentivo às exportações, dentre outros temas. É importante salientar que, apesar do conhecimento de todos essas questões por parte da sociedade e também da convergência em diversas soluções apontadas, parece claro que o mais urgente passa a ser a definição de uma agenda para a implantação de tais propostas. Uma fotografia do Rio Grande de 2006 revela sinais de um Estado que, por vários anos, abriu mão de aplicar um projeto de longo prazo, restringido-se apenas a planos de 4 anos e focado apenas no fluxo de caixa. A mudança na forma de pensar essas questões passa necessariamente pela convergência de idéias em torno de melhores práticas de governança pública. Nesse sentido, devemos ter em mente que, da mesma forma que esse cenário não foi construído por apenas um partido ou governo, os resultados também não deverão ter apenas um agente responsável. Para haver resultados de longo prazo é necessário o comprometimento de vários governos e da sociedade civil com um projeto de longo prazo.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 26/06/2006

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