terça-feira, 29 de julho de 2014

DIGA-ME CÂMBIO, QUEM TU ÉS, E EU TE DIREI PARA ONDE VAIS

Em tempos de câmbio fixo ou administrado, até uma criança poderia dizer a cotação do dia, semana ou mês seguinte com razoável margem de acerto. Isolado dos efeitos dos fundamentos econômicos, da elevada liquidez internacional, da queda do risco-país, do crescimento da economia, do capital especulativo e de diversos outros temas que assombram as previsões dos economistas, o câmbio estava lá, seguindo sua trajetória como planejado, firme e forte. Não era necessário abrir o jornal na página de economia, ou perder tempo escutando ou vendo noticiários com comentários enfadonhos de profissionais do mercado, pois a cotação de amanhã era a de hoje, mais ou menos um dado valor. E ponto.
Mas, a história se encarregou de mostrar que esse modelo de pseudo-dolarização possuía vulnerabilidades que, sob condições particulares, tinha o poder de desestruturar o previsível câmbio. E justamente essas particulares brotaram no cenário mundial na segunda metade da década passada. Os países foram abandonando o regime de câmbio fixo, um de cada vez, passando para o administrado e depois deixando flutuar. A partir desse momento, o câmbio virou o assunto da moda. Todos passaram a procurar ansiosamente por revelações, comentários, dicas ou até previsões esotéricas de como estaria o mercado nos próximos trinta minutos. A previsibilidade de um mês deu lugar à imprevisibilidade do minuto seguinte.

Oito anos se passaram desde que o Brasil abandonou o sistema de bandas cambiais e, ainda assim, os economistas erram em prever a cotação da taxa de câmbio. O valor de amanhã ainda está relacionado com o valor de hoje, mas os fundamentos e as variáveis econômicas passaram de coadjuvante a personagens principais. O câmbio de amanhã não é mais apenas o valor de hoje somado a uma pequena oscilação histórica. Agora há diversos componentes imprevisíveis, como as intervenções do Banco Central, o fluxo de dólares pela via comercial e financeira, além dos impactos indiretos sobre as expectativas. Um exemplo claro foi a queda do índice da bolsa de valores no mercado acionário Chinês, que transferiu riscos para outros mercados.
Para entender essa lógica, é necessário aceitar que câmbio flutuante flutua. Se assim não fosse, seria fixo ou administrado. Além disso, em economia, o termo flutuante significa estar sob ação direta das forças de mercado. A famosa relação entre oferta e demanda. A mesma que dita o preço dos alimentos, de imóveis, de automóveis e de uma série de outros ativos, como ações, ouro e etc. Se isso é verdade, e o real não pára de se valorizar frente ao dólar então, nada mais óbvio que imaginar que a oferta de dólares é maior que a demanda. Então, vamos tentar nomear os personagens que atuam sobre o câmbio.
Começamos pelo lado da oferta de dólares. A economia mundial completa um ciclo de cinco anos de forte crescimento. O total de bens e serviços exportados por todos os países passou de US$ 7 trilhões em 2001 para cerca de US$ 17 trilhões no ano passado. Essa movimentação comercial contribui para gerar riquezas em diversos lugares e, com isso, uma poupança que pode ser canalizada para investimento. Nesse caso, os emergentes são uma boa opção, ainda mais que muitos deles apresentam performance satisfatória com as exportações. Em 1999 apenas US$ 60 bilhões foram investidos nos países emergentes. No ano passado foram US$ 200 bilhões. Portanto, sobram dólares nos mercados financeiros mundiais, ávidos por correr um pouquinho de risco em troca de um retorno mais atrativo que os oferecidos pelas taxas de juros dos países desenvolvidos.
Nesse cenário o Brasil tem sido um grande atrativo para investidores, seja com aporte de recursos em ações ou títulos de renda fixa – para aproveitar o diferencial de juros – seja com investimento direto (IED). A previsão do IED para 2007 é de US$ 20 bilhões, um recorde em tempos de ausência de privatizações. E aí se verificam os efeitos cruzados. As maiores exportações - a gordura gerada na balança comercial atingiu, no ano passado, US$ 45 bilhões - puxaram a economia brasileira a partir de 2004, que por sua vez reduziu a dependência externa. Pagamos as dívidas com investidores internacionais, e sinalizamos com disciplina fiscal. Com isso, mais investidores querem comprar títulos brasileiros, reduzindo o risco Brasil, e nos tornando mais atrativos. Mais dólares vieram para o Brasil, melhorando ainda mais os indicadores do balanço de pagamentos. E, assim, o ciclo se fecha.
E a demanda? Bem, com a menor procura pela moeda americana no cenário mundial, o dólar vem perdendo valor. Mas o Banco Central do Brasil poderia aumentar as reservas, como fazem os países asiáticos, contribuindo para aumentar a demanda pelo dólar e, com isso, reduzir a valorização do real. Correto. Nos últimos 12 meses o Banco Central já comprou o equivalente a US$ 80 bilhões, colocando as reservas no patamar de US$ 150 bilhões, mas não tem sido o suficiente. Os brasileiros poderiam viajar mais ao exterior e importar mais produtos. Isso já ocorre. De janeiro a maio os gastos com viagens internacionais estão três vezes mais elevados que o mesmo período do ano passado, e as importações 27% mais altas. Em resumo, o processo de reversão desse cenário só ocorrerá quando a oferta e a demanda alcançarem o equilíbrio


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 16/07/2007

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