segunda-feira, 28 de julho de 2014

DE VOLTA AO POPULISMO

A memória dos fracassos de planos econômicos passados ainda está fresca na mente dos brasileiros, por isso que damos valor à estabilização monetária, e passamos a considerá-la como uma das mais importantes conquistas da nossa sociedade nos últimos anos. Vale lembrar que um dos pontos mais importantes do plano Real era que esse não pretendia cometer os mesmos erros do passado, como congelamento de preços, excessivos reajustes de salários acima da inflação e o descontrole do gasto público. Todas essas medidas resultavam na modificação da demanda e não eram seguidas de políticas de expansão da oferta. Um princípio simples explicado nas cadeiras de introdução a economia, e que sintetiza a necessidade de se ter o equilíbrio no mercado de bens e fatores de produção. 
Imaginávamos que o Plano Real havia enterrado de vez essas incursões populistas que produziam benefícios de curto prazo e custos elevados de ajuste para o longo prazo. Porém, o comportamento do gasto público na esfera federal e os resultados do PIB divulgados na semana passada, mostram justamente o contrário. A execução orçamentária da União revela um aumento sem precedentes em despesas que impactam diretamente a demanda. Desde a contratação recorde de 90 mil servidores públicos nos últimos 3 anos, até os gastos com assistência social, além de transferências de renda e gastos com programas como organização agrária, há um sem número de ações que devem ultrapassar, somente em 2006, a cifra de R$ 30 bilhões. Valor suficiente para modificar de maneira significativa o consumo das famílias.

Podemos enganar os economistas, mas não a economia. Tal medida produziu uma expansão sem precedentes do consumo privado em determinadas regiões do Brasil. Como boa parte dos recursos que integram esse tipo de programa são direcionados a áreas com menor renda, como as regiões norte e nordeste do país, nota-se que são justamente essas que apresentam o maior aumento na demanda. Nos últimos 12 meses, as vendas de eletrodomésticos e móveis na Bahia já aumentaram 30%, no Ceará 27% e em Pernambuco 24%, ao passo que a média brasileira foi de 11%. Detalhe, no Rio Grande do Sul presencia-se um crescimento de apenas 1,48%. No total, o varejo no Brasil cresce 5,3%, enquanto na Bahia avança 8%, em Pernambuco 9,2% e no Ceará 13,8%.
Os dados do PIB de 2006 confirmam os impactos da política de expansão da demanda que tem sido implementada de forma silenciosa. Como se sabe, o PIB pode ser analisado a partir de três óticas diferentes, mas que produzem o mesmo resultado: pela produção, demanda, ou renda. Pelo lado da produção, ou seja, expansão da oferta, destaque para o setor de serviços, que cresceu 2,3% no acumulado do ano, com o comércio apresentando o melhor impacto. Por outro lado, a indústria de transformação cresceu apenas 1,4% para o mesmo período.
Do lado da demanda, o item que apresentou o melhor desempenho foi o consumo das famílias com expansão de 3,8%  no acumulado do ano. Vale ressaltar que essa foi a maior variação desde 2001, e representa cerca de R$ 37 bilhões de acréscimo no consumo. Como não foi a produção interna que atendeu a esse aumento, coube ao aumento da importação fazer o equilíbrio no mercado de bens, com aumento de 14% no volume importado no primeiro semestre sobre o mesmo período do ano passado. Resultado esse que contribuiu para um aumento de 4% no volume arrecadado de impostos sobre produtos. Até então não deveríamos nos preocupar com o aumento da demanda a uma taxa muito acima da oferta se estivéssemos diante de uma expansão do investimento que pudesse gerar o equilíbrio no médio prazo. Porém, esse apresenta tendência de queda. Após ter atingido a taxa de crescimento recorde de 10,9% ao final de 2004, no segundo trimestre de 2006 cresceu apenas 2,9%.
Como pode ser visto, a decomposição do crescimento do PIB do Brasil nesse primeiro semestre de 2006 revela o lado perverso de uma política econômica populista em pele ortodoxa. De um lado o governo vende a ideia de controle de gastos via superávit primário mas, de outro, alimenta a demanda com o aumento das contratações, gastos com pessoal e despesas diversas a uma taxa muito maior que as receitas. Adota uma política de metas de inflação (importante para o país) e promove a redução dos juros até o limite em que a demanda não represente uma pressão sobre os preços na economia. Porém, de outro, aumenta a renda com reajuste de salário mínimo muito acima da inflação, o que contribui para ampliar o déficit da previdência, e promove a expansão da demanda via gastos diretos.
Por enquanto, essa política é sustentada pela arrecadação recorde de impostos que retira recursos do setor produtivo, de um lado, para ser usado em expansão do consumo das famílias, de outro. Tal cenário tem contribuído para retrair os investimentos e a capacidade do país de conviver com taxas de crescimentos maiores e mais consistentes no futuro. Esse ciclo vicioso deverá ser rompido em algum momento, seja pelo controle mais rígido dos gastos, com impactos sobre o mercado interno, seja via aumento de preços. A economia e a experiência brasileira do passado nos mostra que não há lanche de graça, alguém terá que pagar essa conta.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 04/09/2006

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