segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Brasileiro é estranho....

         Brasileiro é estranho. Quando a economia estava sendo solapada pelas crises internacionais nos períodos azarados de 1994 a 2002, a taxa média de crescimento do PIB foi de apenas 2,6%, e com forte oscilação entre um máximo de 5,3% no início do plano Real até o mínimo de 0,04% em 1998. Nesse momento todos olhavam para o horizonte e ansiavam ver os anos de crescimento do País do futuro. Invejávamos as taxas chinesas, os baixos juros americanos, a estabilidade de regras do Japão e dos Países Nórdicos, a disciplina dos Alemães e a confiança e tradição das instituições inglesas.
            O início da primavera no cenário internacional contagiou o Brasil a partir de 2003, em um movimento reverso aos contágios de crise que estávamos acostumados. E depois de anos ruins, o País voltou a apresentar taxas de crescimento elevadas. Ainda não era o mesmo desempenho da China, é verdade, mas o crescimento brasileiro começou a permear os textos, discursos e debates, a tese da sustentabilidade.

            Em um primeiro momento, crédito para a reversão de expectativas. Até o final de 2002, alguns ainda acreditavam no apocalipse econômico, com o confisco de poupança e de ativos como o segundo imóvel, outros, mais temerosos, na adoção de um regime socialista. Quando descobrimos que nossos medos não seriam materializados, aproveitamos para rever planos de futuro. Empresas nacionais e estrangeiras voltaram a investir, consumidores lançaram-se aos poucos ao consumo e mais pessoas passaram a planejar sua aposentadoria, fazendo aportes de recursos em planos privados e contribuindo para elevar a poupança de longo prazo.
            Um crédito também para aqueles que deixaram a ideologia econômica de lado e deram continuidade à obra do Plano Real. Aliás, se 1999 pode ser chamado de Real II, com as importantes mudanças na política de câmbio, juros e fiscal, 2003 poderia ser denominado de Real III: a fase da colheita. E que colheita. A conjunção de diversos fatores positivos e dez anos de estabilidade monetária, conseguiram apagar boa parte das memórias, e entramos na era do “nunca na história desse País”.
            Boa parte disso é verdade. Nunca na história desse País tantas famílias tiveram acesso ao crédito, veículo importante para conduzir ao consumo; venderam-se tantos automóveis; as exportações foram tão elevadas; criaram-se tantos empregos com carteira assinada e a taxa de desemprego foi tão baixa. E mais uma infinidade de outros “nunca...”. Mas, também é verdade que, nunca na história desse País, o governo arrecadou tantos impostos da sociedade; gastou tanto com programas sociais e no pagamento de salários; contratou tantas pessoas para servir ao setor público; foi registrado tanto lucro pelo setor financeiro e, por fim, não presenciamos tantos anos seguidos de prosperidade no cenário internacional e com preços de produtos básicos tão elevados. As “coisas” deram tão certo que até a guerra do Iraque e o preço do petróleo não estragaram a festa.
            A colheita durou de 2004 a 2007, devendo se estender também por 2008, pois muitos dos fatores que nos trouxeram, até aqui ainda perduram. Mas, brasileiro é estranho. Não temos ainda taxas chinesas, apesar de muitos acharem que isso seria possível em um País com juros cinco vezes superior ao americano, carga tributária que é o dobro dos países emergentes, baixo investimento em infra-estrutura, e instituições que não deixam transparecer regras estáveis e claras para consumidores e investidores. Mas iremos crescer por cinco anos seguidos, mesmo com os riscos inflacionários que se aproximam. Nos últimos meses, a sinalização do mercado e da autoridade monetária parece clara no sentido de aumentar a taxa de juros Selic já na reunião do dia 16 de abril. Mesmo que seja de 0,25 ponto percentual, essa mudança de direção da política monetária terá o poder de mudar as expectativas dos agentes econômicos. Afinal de contas, o que deu errado na relação amorosa entre oferta e demanda? Estamos diante de um rompimento? Não, para nosso alívio é apenas um stress, desses muito comuns. Mas, se não for resolvido, pode ter conseqüências maiores.
            E, de quem é a culpa? Vejamos. O PIB é dado pelos gastos das famílias, o consumo do governo o investimento das empresas e o saldo entre exportações e importações. Em um ambiente de crescimento do emprego, da renda e do investimento no setor privado, as pressões sobre a demanda serão elevadas. Mesmo assim, o governo continua a expandir os gastos, contribuindo ainda mais para elevar essa demanda. Mais contratações, reajuste de salários e gastos com custeio e transferências de renda, como Bolsa Família. Além disso, entre 2004 e 2006, as exportações superiores às importações também representavam mais um componente de pressão sobre a demanda. Mas, derivado do cenário externo. A partir de 2007, essa foi revertida e deve aliviar também em 2008. Como o governo não quer reduzir gastos, uma forma de conter a demanda é fazer com que as famílias e empresas gastem menos, até que a oferta possa corresponder. O remédio é juros mais altos.
            Quando muitos têm a chance de comprar carros, motos, casas, móveis e eletrodomésticos, vem um outro, com mais poder que todos os demais, e resolve gastar desenfreadamente aquilo que recolhe da sociedade na forma de impostos, nos obrigando a conter o consumo. E ainda aplaudimos. É, brasileiro é estranho.

Publicado no Informe Econômico de 31/03/2008

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