Brasileiro é estranho. Quando a economia estava sendo
solapada pelas crises internacionais nos períodos azarados de 1994 a 2002, a
taxa média de crescimento do PIB foi de apenas 2,6%, e com forte oscilação
entre um máximo de 5,3% no início do plano Real até o mínimo de 0,04% em 1998.
Nesse momento todos olhavam para o horizonte e ansiavam ver os anos de
crescimento do País do futuro. Invejávamos as taxas chinesas, os baixos juros
americanos, a estabilidade de regras do Japão e dos Países Nórdicos, a
disciplina dos Alemães e a confiança e tradição das instituições inglesas.
O
início da primavera no cenário internacional contagiou o Brasil a partir de
2003, em um movimento reverso aos contágios de crise que estávamos acostumados.
E depois de anos ruins, o País voltou a apresentar taxas de crescimento
elevadas. Ainda não era o mesmo desempenho da China, é verdade, mas o
crescimento brasileiro começou a permear os textos, discursos e debates, a tese
da sustentabilidade.
Em um
primeiro momento, crédito para a reversão de expectativas. Até o final de 2002,
alguns ainda acreditavam no apocalipse econômico, com o confisco de poupança e
de ativos como o segundo imóvel, outros, mais temerosos, na adoção de um regime
socialista. Quando descobrimos que nossos medos não seriam materializados,
aproveitamos para rever planos de futuro. Empresas nacionais e estrangeiras
voltaram a investir, consumidores lançaram-se aos poucos ao consumo e mais
pessoas passaram a planejar sua aposentadoria, fazendo aportes de recursos em
planos privados e contribuindo para elevar a poupança de longo prazo.
Um
crédito também para aqueles que deixaram a ideologia econômica de lado e deram
continuidade à obra do Plano Real. Aliás, se 1999 pode ser chamado de Real II,
com as importantes mudanças na política de câmbio, juros e fiscal, 2003 poderia
ser denominado de Real III: a fase da colheita. E que colheita. A conjunção de
diversos fatores positivos e dez anos de estabilidade monetária, conseguiram apagar
boa parte das memórias, e entramos na era do “nunca na história desse País”.
Boa
parte disso é verdade. Nunca na história desse País tantas famílias tiveram
acesso ao crédito, veículo importante para conduzir ao consumo; venderam-se
tantos automóveis; as exportações foram tão elevadas; criaram-se tantos
empregos com carteira assinada e a taxa de desemprego foi tão baixa. E mais uma
infinidade de outros “nunca...”. Mas, também é verdade que, nunca na história
desse País, o governo arrecadou tantos impostos da sociedade; gastou tanto com
programas sociais e no pagamento de salários; contratou tantas pessoas para
servir ao setor público; foi registrado tanto lucro pelo setor financeiro e,
por fim, não presenciamos tantos anos seguidos de prosperidade no cenário
internacional e com preços de produtos básicos tão elevados. As “coisas” deram
tão certo que até a guerra do Iraque e o preço do petróleo não estragaram a
festa.
A
colheita durou de 2004 a 2007, devendo se estender também por 2008, pois muitos
dos fatores que nos trouxeram, até aqui ainda perduram. Mas, brasileiro é
estranho. Não temos ainda taxas chinesas, apesar de muitos acharem que isso
seria possível em um País com juros cinco vezes superior ao americano, carga
tributária que é o dobro dos países emergentes, baixo investimento em
infra-estrutura, e instituições que não deixam transparecer regras estáveis e
claras para consumidores e investidores. Mas iremos crescer por cinco anos
seguidos, mesmo com os riscos inflacionários que se aproximam. Nos últimos
meses, a sinalização do mercado e da autoridade monetária parece clara no
sentido de aumentar a taxa de juros Selic
já na reunião do dia 16 de abril. Mesmo que seja de 0,25 ponto percentual, essa
mudança de direção da política monetária terá o poder de mudar as expectativas
dos agentes econômicos. Afinal de contas, o que deu errado na relação amorosa
entre oferta e demanda? Estamos diante de um rompimento? Não, para nosso alívio
é apenas um stress, desses muito comuns. Mas, se não for resolvido, pode ter
conseqüências maiores.
E, de
quem é a culpa? Vejamos. O PIB é dado pelos gastos das famílias, o consumo do
governo o investimento das empresas e o saldo entre exportações e importações.
Em um ambiente de crescimento do emprego, da renda e do investimento no setor
privado, as pressões sobre a demanda serão elevadas. Mesmo assim, o governo
continua a expandir os gastos, contribuindo ainda mais para elevar essa
demanda. Mais contratações, reajuste de salários e gastos com custeio e
transferências de renda, como Bolsa Família. Além disso, entre 2004 e 2006, as
exportações superiores às importações também representavam mais um componente
de pressão sobre a demanda. Mas, derivado do cenário externo. A partir de 2007,
essa foi revertida e deve aliviar também em 2008. Como o governo não quer
reduzir gastos, uma forma de conter a demanda é fazer com que as famílias e
empresas gastem menos, até que a oferta possa corresponder. O remédio é juros
mais altos.
Quando muitos têm a chance de
comprar carros, motos, casas, móveis e eletrodomésticos, vem um outro, com mais
poder que todos os demais, e resolve gastar desenfreadamente aquilo que recolhe
da sociedade na forma de impostos, nos obrigando a conter o consumo. E ainda
aplaudimos. É, brasileiro é estranho.
Publicado no Informe Econômico de 31/03/2008
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