Durante anos a
economia brasileira conviveu com o problema da indexação de preços, salários e
contratos. O emaranhado de leis, decretos e procedimentos que permearam esse
período contaminaram não apenas as transações financeiras e comerciais, as
relações trabalhistas e a elaboração de orçamentos públicos, mas também a
cultura do brasileiro. Tal resultado é justificável, na medida em que nos
acostumamos a conviver com essas distorções, a ponto de nossos economistas
serem os maiores experts quando o
assunto é inflação e a forma de lidar com esse mal.
Infelizmente, o
que deveria ser apenas uma memória constante em livros de história ou então na
literatura da área, volta a assombrar a economia brasileira. O PAC – programa
de aceleração do crescimento, apresentado pelo governo federal, dá uma mostra
de como ainda não esquecemos os anos de processo inflacionário. Dentre diversos
itens constantes no programa, dois merecem destaque por justamente colocar em
risco as conquistas de estabilidade de preços com o Plano Real. A proposta de
fixar o reajuste do salário mínimo à inflação mais o desempenho do PIB de dois
anos atrás, e também a limitação do aumento dos gastos com pessoal ao resultado
do IPCA mais 1,5% ao ano.
Em um primeiro
momento essas propostas podem parecer inofensivas e até positivas, uma vez que
transpiram a ideia de que podem limitar a evolução dos gastos correntes, dada a
ausência de vontade política para tal. Porém, a análise desses aspectos deve
ser feita também a partir de um ponto de vista econômico, e não apenas financeiro.
De 1996 a 2006,
o salário mínimo teve um reajuste de 250%, passando de um valor nominal de R$
100 para um valor de R$ 350, ao passo que o IPCA evoluiu apenas 110% e o PIB
expandiu-se em 27,5%. Se compararmos o reajuste do salário mínimo com a
evolução da inflação, nota-se um aumento real de 66%. Além disso, se
aplicássemos para o passado a regra de correção proposta no PAC, mesmo assim o
reajuste do salário mínimo seria maior. Analisando esses resultados, podemos
concluir que a proposta do governo seria positiva, pois teria como resultado
reduzir a evolução real do salário mínimo. Como se sabe, não é possível dar
maiores reajustes para o salário mínimo, pois, compromete os gastos de
prefeituras, empresas e previdência. Nesse caso, vale a pergunta: qual seria de
fato o problema: o reajuste, o elevado valor do salário, ou a baixa capacidade
de pagamento desse valor? A resposta são todos esses fatores. O valor do
salário mínimo, por mais mínimo que seja, tem impactos significativos em
determinados segmentos da economia, que sofrem com a já pesada carga
tributária. Na previdência o problema está relacionado com a vinculação das
despesas ao reajuste do mínimo. Dá-se ganho real para as despesas enquanto
espera o que vai acontecer com a economia para verificar um aumento de receita.
Ainda
precisamos aceitar a ideia de que o salário mínimo deve ser visto como um
salário de referência para a economia, e não o mínimo que se deve pagar, como
previsto em lei. É importante ter em mente que o que determina quanto um trabalhador
deve ganhar é a sua capacidade laboral de gerar riqueza, sua produtividade e
seu conhecimento, e não simplesmente o que está definido na constituição.
Quanto maior for a produtividade para a economia, maior é a capacidade de se
embutir ganhos para as partes. Vale ressaltar que a distorção é maior ainda
quando se considera conceder reajustes com base no desempenho do PIB. Um claro
desconhecimento do real funcionamento da economia e da distribuição de
riquezas.
Assim, a
proposta de indexação do salário mínimo embute riscos que boa parte da
sociedade desconhece ou se esqueceu. Porém, é uma proposta atraente, pois pode
reduzir o desgaste político do executivo e do legislativo, a partir da
eliminação do embate anual entre as duas casas e a opinião púbica.
O segundo item
aqui destacado é o controle dos gastos correntes. É claro que se os gastos
correntes aumentam mais do que o IPCA e 1,5% ao ano, a proposta do governo de
fixar esse limite deve ser vista com bons olhos. Mas, novamente, pode nos
aventurar em um ambiente perigoso da indexação. Primeiro que 1,5% de ganho real
sobre uma inflação de 10% representa muito menos do que sobre uma inflação de
3%, perspectiva essa que se coloca para o longo prazo em um ambiente de
estabilidade de preços. Além disso, fixar o reajuste dos servidores públicos a
esse percentual, pode resultar em um referencial para futuros acordos
trabalhistas em outros segmentos da economia, em especial no setor privado. Por
fim, potencializa os impactos da inércia inflacionária, ou seja, a parcela da
inflação do ano anterior que é jogada para o ano seguinte, o que pode reduzir
ainda mais a eficácia da política monetária em um regime de metas de inflação.
Diante do exposto, parece
claro que uma parte influente do governo sente saudades do processo de
indexação da economia que vigorava no passado. Ou então desconhece seus
impactos negativos sobre a relação entre os agentes econômicos. Se queremos
permitir que a economia brasileira adquira uma dinâmica mais consistente de
crescimento do PIB e com foco nos ganhos de produtividade, não será garantindo
em lei reajustes reais de salário o caminho mais certo. Se fosse tão fácil
assim, o passado não condenaria tais medidas.
Publicado no Informe Econômico/FIERGS
05/02/2007
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