terça-feira, 29 de julho de 2014

EU SOU VOCÊ, AMANHÃ

Um dos movimentos mais conhecidos na literatura econômica é o efeito defasagem. Uma redução ou elevação da taxa de juros, um corte ou majoração de alíquotas tributárias, a modificação na política fiscal, as mudanças cambiais e uma série de outras oscilações na economia, produz impactos não apenas no mês seguinte, mas também nos próximos, podendo se arrastar inclusive por mais de anos. Assim é que se trabalha com a hipótese de que investimentos das empresas no presente resultam em maior capacidade de oferta na economia no futuro, e modificam o patamar de emprego e renda do País. 
Mas, além das já conhecidas modificações de política econômica, há aquelas que são mais silenciosas e que, mesmo assim, não deixam de promover resultados positivos. Um exemplo muito interessante é a economia do Chile. De uma situação no qual o estado controlava tudo, e o governo ocupava todos os espaços, não restando quase nada para o setor privado, o País mudou radicalmente sua linha de política econômica após as reformas implementadas pelo governo de Augusto Pinochet no início da década de 1970. Durante os anos que se seguiram, o Chile conviveu com privatização de empresas estatais ineficientes, abertura econômica a partir de acordos bilaterais, uma disciplina fiscal que teve impactos positivos sobre o controle da inflação além de uma condução de política monetária de acordo com um Banco Central responsável.

Tais atitudes foram de primordial importância para dar consistência econômica ao País para atravessar a crise mundial do início da década de 1980, e rapidamente se recuperar nos anos seguintes. E os dados confirmam essa assertiva. De meados da década de 1980 até a crise da Ásia em 1997, o PIB do Chile cresceu a uma taxa média de 7,2% ao ano. Obviamente um impacto positivo defasado das reformas estruturais implementadas nos anos anteriores e que contribuíram para elevar a taxa de investimento no País. Mas, vale destacar que o Chile não fez todas essas reformas em um único momento. As mesmas foram implementadas em partes. O ponto mais importante é que foram feitas de maneira contínua, e não oscilaram ao sabor das opiniões do governo que estava no poder.
O setor de mineração, um dos mais importantes para a economia local e primordial na pauta de exportações do País, é um exemplo dessas transformações. No início da década de 1980, somente o estado podia explorar essa atividade com uma das maiores empresas do Chile, a CODELCO. A partir da inclusão na constituição de 1980 da possibilidade de concessão dessa exploração no setor por empresas privadas, os investimentos aportaram nos anos que se seguiram. Como resultado, as companhias privadas hoje produzem muito mais cobre do que a estatal e a um custo bem mais baixo. Não há como duvidar que boa parte da contribuição para o crescimento do PIB do País nos anos que se seguiram tenha vindo desses investimentos.
Mas, no período entre 1998 e 2005, a taxa média de crescimento do Chile reduziu-se para 3,5% ao ano. Tal resultado pode parecer pequeno relativamente ao verificado em anos anteriores, mas está condizente com a performance de uma economia madura, que já abandonou o grau de emergente, e se encontra em outro patamar de desenvolvimento. Além disso, não há mais choques de produtividade guardados na gaveta à espera de reformas para poderem impulsionar a economia. O País apresenta instituições transparentes e estabilidade de preços e leis, o que se reflete na atração de investimentos e também na estabilidade da taxa de crescimento. Um cenário diferente da economia brasileira, que ainda aguarda choques de produtividade via reformas estruturais para mudar o patamar de sua taxa de crescimento, a despeito de mudanças metodológicas produzirem esse efeito.
A propósito, a recente revisão dos dados do PIB do Brasil, feitos pelo IBGE, confirmam o efeito defasado acima exposto, em especial com o aumento da participação do PIB do setor de telecomunicações entre 1995 e 2005. Vale destacar que isso é o resultado de uma performance do setor bem acima da média das demais atividades produtivas durante esse período. Como se sabe, em meados da década de 1990 o governo brasileiro promoveu um programa de privatizações no setor de telecomunicações. Nos anos que se seguiram, os investimentos eclodiram, e passados menos de 10 anos tem-se quase que uma universalização do acesso da população a linhas de telefone, seja com fio, ou então celular. Se o governo brasileiro tivesse dado seqüência a esse programa, estendendo as privatizações a outros setores que ainda apresentam ineficiência e distorção produtiva, como é o caso do setor bancário e extração de petróleo, é bem provável que a atual revisão do IBGE colocasse o desempenho do PIB do País em patamares ainda mais elevados. 
       A ausência das reformas estruturais nos últimos quatro anos, com os baixos investimentos privados em um cenário no qual as instituições não oferecem segurança contratual, o avanço do setor público sobre a economia, e o baixo grau de abertura comercial, limitam o chamado “PIB potencial” para os próximos anos. O efeito defasado não é apenas teórico, mas também empírico. Se o Brasil fizer o dever de casa hoje, com as reformas estruturais necessárias, podemos mudar o patamar de crescimento amanhã.

Publicado no Informe Econômico/FIERGS 02/04/2007


Nenhum comentário:

Postar um comentário