domingo, 27 de julho de 2014

CÂMBIO: QUAL A ESTRATÉGIA PARA CONTER A VALORIZAÇÃO?

O atual processo de valorização da taxa de câmbio no Brasil tem ensejado uma série de discussões sobre o papel da autoridade monetária nesse resultado. Apesar das propostas não serem novas; intervenção no mercado de câmbio; redução mais drástica da taxa de juros; aumento das reservas no Banco Central e mudança do regime cambial, uma estratégia tem sido por vezes lembrada, o controle de capitais. Nesse caso, uma olhada sobre a experiência internacional pode ajudar na interpretação das possíveis implicações.
O Chile parece mostrar uma perfeita sintonia de política macroeconômica, com resultados que são refletidos nas invejosas taxas de crescimento de seu produto interno bruto nos últimos anos. Porém, nem sempre foi assim. Nos últimos 25 anos, o país passou por duas crises econômicas importantes, em 1982 e, mais recentemente, em 1999, momentos em que a taxa de câmbio era fixa. O mais curioso é que, no processo de recuperação econômica presenciada entre 1990 e 1997, o fluxo de capitais para o país foi tão intenso que o governo teve que adotar regras de controle para a entrada de recursos (não para a saída), para tentar conter a apreciação do peso. A retenção de uma parcela desses recursos no Banco Central era denominada de URR (unremunerated reserve requirement).
Essa estratégia, assim como outras, foram utilizadas por diversos países no mundo que mantinham taxas de câmbio fixas, para conter a oscilação de suas moedas em um cenário de entrada de recursos. Com a crise do México e da Ásia, o cenário financeiro internacional se modificou e, com ele, o controle de capitais no Chile, que foi eliminado em 1998. Em setembro de 1999, o país passou a adotar o sistema de câmbio flexível porém, reservando o direito do Banco Central de intervir no mercado sempre que fosse necessário. Apesar dessa “autorização”, existiram apenas dois momentos de conjuntura econômica adversa que tiveram impactos sobre a volatilidade da taxa de câmbio, 2001 e 2002.
Destaca-se que, nesse cenário, os riscos de contaminação da inflação aumentaram substancialmente, exigindo da autoridade monetária uma intervenção no câmbio. Vale destacar que as intervenções do BC chileno não foram as únicas no mundo, outros países que adotam o regime de câmbio flexível também acabaram por intervir na taxa de câmbio em algum momento do tempo, como foram os casos do Reino Unido, da Suíça e até do Banco Central Europeu no ano 2000.
Não obstante, apesar da pequena corrente de comércio e relações financeiras do Chile com o Brasil e a Argentina, as duas intervenções estão relacionadas a crises na região, a primeira com a Argentina e o segundo momento quando da eleição presidencial no Brasil.
Vale destacar que esse movimento esteve muito mais associado a um contágio do que propriamente uma deterioração dos fundamentos da economia do país e, como tal, teve características transitórias, o que, segundo a própria autoridade monetária no país, justificava a intervenção. Além disso, as intervenções no mercado de câmbio no Chile deixaram claro que a autoridade monetária não estava perseguindo um determinado nível para a taxa de câmbio, e sim tinham como objetivo reduzir a velocidade de depreciação da mesma e a excessiva volatilidade da moeda, em um ambiente de relativa dificuldade financeira no cenário internacional. Objetivo esse que foi plenamente alcançado.
O Banco Central do Chile anunciava antecipadamente um calendário de intervenções, com data de início e término, e o volume de recursos que seriam envolvidos. Uma atitude sem precedentes, inclusive quando se compara com outros Bancos Centrais, seja nos EUA, Europa ou no Japão. Essa atitude contribuiu para que a autoridade monetária ganhasse credibilidade, o que ajudou a dissipar incertezas nesse mercado. Observa-se, assim, que as intervenções do Banco Central mostraram-se eficientes em um cenário de câmbio flutuante. Porém, há três diferenças fundamentais a serem consideradas nessa análise.
A primeira diferença diz respeito à liquidez de dólares no mercado internacional, que contribui para reforçar a tese da eficiência de controle de capitais, dado que esse fluxo é muito maior do que a verificada naquela época. Em 2006 estão previstos investimentos da ordem de US$ 179 bilhões para os países emergentes, contra apenas US$ 74 bilhões no ano 2000 e US$ 75 bilhões em 2001. Questiona-se a eficácia dessa medida pelo fato de que o Chile tinha como foco de controle a conta financeira e, no caso brasileiro, a fonte de valorização é, em grande medida, a balança comercial.
Dessa forma, o controle de capitais não teria provavelmente o efeito desejado, pois os dólares que tem vindo para o Brasil pela conta financeira representam uma parcela pequena do fluxo total. O terceiro ponto a destacar é que a relação reservas cambiais/importações no Brasil é menor do que a verificada no Chile. Dessa forma, dada as características do processo de valorização da moeda brasileira, a intervenção para aumentar o nível de reservas parece ser uma estratégia mais adequada, mesmo com os custos de esterilização envolvidos.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 15/05/2006

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