terça-feira, 29 de julho de 2014

AS IMPERFEIÇÕES DO CÁLCULO DA CESTA BÁSICA – PARTE I

Diversos mitos acompanham as discussões acerca da importância do salário mínimo no Brasil quando da definição de reajustes, como por exemplo, seu poder de distribuição da renda e a possibilidade de representar a criação de demanda capaz de ativar a economia. Independente da posição técnica ou ideológica, o fato é que nesse debate é necessário diferenciar entre o que diz a lei e o que diz o mercado. O decreto lei que criou o salário mínimo em 1938 continha uma virtude econômica no nascimento, na medida em que definia o mesmo como “...a remuneração capaz de satisfazer em determinada época e região do país, as necessidades normais do trabalhador...”. Tal definição já deixa embutida a ideia de que o salário mínimo deveria contemplar as diferenças de rendimento no tempo e no espaço. Ou seja, o aumento de preços ao longo do tempo deveriam constar no reajuste do salário mínimo, para preservar o poder de compra, assim como também deveria estar contemplada as diferenças regionais no que diz respeito às condições necessárias para se viver. Algo que está diretamente relacionado ao perfil produtivo, de renda, educação, cultura e clima entre as regiões do Brasil. Basta ver os números para constatar que essas diferenças são bastante nítidas entre os estados e regiões brasileiros. Porém, a constituição de 1988 passou a determinar a unificação nacional do salário mínimo, potencializando os impactos econômicos regionais. Afinal de contas, um salário mínimo em uma região com um custo de vida elevado como na cidade de São Paulo representa muito menos poder de compra do que o mesmo valor para uma cidade de menores dimensões e com menor custo de vida. Apesar disso, a constituição ignorou essas particularidades.

 Os mesmos erros de interpretação são cometidos na construção de um outro referencial para o mercado, o custo da cesta básica. Concebida com o intuito de medir o custo de vida de um trabalhador a cada mês, de uma amostra apenas da cidade de São Paulo, o indicador do DIEESE foi ganhando terreno ao longo desses anos na mesma velocidade em que perdeu sustentação econômica. Atualmente o custo da cesta básica é levantado para 16 capitais, e contempla 13 produtos para cada localidade, todos esses ligados ao item alimentação. Dada a quantidade de equívocos na sua composição e interpretação, a análise desse indicador será feita em partes nos próximos informes.
A primeira crítica refere-se à sua construção. Os itens que compõem a cesta básica, ou como é tecnicamente referida, a ração essencial, foram determinados há quase 70 anos (carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão, banana, açúcar, óleo e manteiga). Difícil acreditar que uma pessoa hoje, mesmo com todos os problemas de distribuição de renda, ainda tenha como referência alimentar básica em quilos ou litros, a mesma composição de 70 anos. Além de negligenciar questões básicas como a incorporação de novos produtos, o indicador de cesta básica, tal como está, não considera a importância do valor nutricional.
Muito mais do que a quantidade alimentar básica, o indicador deveria medir o valor nutricional mínimo que uma pessoa ou família deveria consumir ao mês. Uma referência muito importante quando se trata de questões de saúde pública e combate à desnutrição, itens constantes no desafio do milênio, programa no qual o país está inserido. Assim, a sustentação técnica de alguns itens como o valor de 6 kg de carne ao mês como referência na composição da cesta de um trabalhador, é muito fraca.
Como contraponto, podemos comparar essa quantidade com o encontrado na pesquisa domiciliar feita pelo IBGE para caracterizar o perfil de consumo do brasileiro. A POF – pesquisa de orçamento familiar, encontrou em 2003 que o brasileiro consome, em média, 25,2 kg de carne de todo tipo por ano, o que representa 2,1 kg por mês. No Rio Grande do Sul esse consumo é de 3,4 kg por pessoa. Independente se esse é o valor ideal ou não, o fato é que mesmo tendo uma justificativa nutricional para supor que o mínimo necessário a consumir deveria ser cerca de 6 kg/mês, não está sendo considerada a possibilidade de diversificação de produtos que possam manter a composição nutricional.
Portanto, esse é um forte indício de superestimação do valor da cesta básica, uma vez que considera, somente no caso da carne, um valor bem superior à média anual do país. Outro indício de superestimação do valor está presente no universo de referência da pesquisa. O cálculo do DIEESE considera a quantidade para uma família, ao passo que o IBGE para um domicílio. Acontece que em um domicílio pode residir mais de uma família, o que é comum em classes de poder aquisitivo mais baixo. Portanto, deve existir, ainda assim, uma diferença entre o consumo de um domicílio e o consumo de uma família que potencializa a superestimação do DIEESE.
Comparando todos os demais itens constante da cesta básica com o levantamento feito pelo IBGE, podemos constatar que, à exceção do arroz, leite e farinha  todos os demais itens da cesta básica consideram quantidades mínima necessárias acima do verificado na pesquisa do IBGE. Por mais técnico que possa parecer o argumento, esse é um aspecto importante a ser considerado, uma vez que, para valores de referência de consumo maiores há um valor da cesta básica mais alto que, por conseqüência, magnífica a visão de que o salário mínimo não é suficiente para viver.


Publicado no Informe Econômico/FIERGS 21/05/2007

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