As opiniões sobre a elevação
do Brasil à categoria de menor risco, podem ser divididas em dois grupos. De um
lado, aqueles que contestam a demora nessa classificação, de outro, aqueles
mais céticos, que até acreditavam na melhora de avaliação do Brasil, mas que
não titubeiam em apontar as deficiências de nossa economia. Partindo do ponto de
vista do primeiro grupo, de fato, quase nada se modificou nos últimos cinco
anos, a não ser o fato de que, “quem diria”, foi dada continuidade ao bem
sucedido tripé de sustentação da política econômica: superávit primário, câmbio
flexível e metas de inflação. Para não dizer que tudo é igual a antes, o mais
importante fator de mudança foi o ciclo de ausência de crise no cenário
internacional. Nos últimos anos tivemos crescimento econômico nos quatro cantos
do mundo, e milhões de pessoas entraram no mercado de consumo, contribuindo
para a melhora nas relações de troca do setor externo brasileiro. Analisando
dessa forma, realmente, o selo “grau de investimento” poderia ter vindo ainda
no final de 2006.
Porém, a partir da
perspectiva do segundo grupo, precisamos ter claro que é necessário esforço
(fiscal, administrativo e político) para preservar as conquistas do grau de
investimento. Ainda temos deficiências na infra-estrutura logística, e uma
tremenda dificuldade em nos livrarmos das amarras de uma herança presente na
filosofia das relações capital-trabalho. Essas, tornam nosso mercado de
trabalho extremamente rígido frente aos nossos pares no cenário internacional
e, assim, reduzem a nossa competitividade. Isso sem falar da pesada mão do
setor público, o maior sócio de cada brasileiro, que anualmente se apropria de
mais de 40% da nossa renda.
Bem, deficiências à parte,
aqui chegamos. Afinal de contas, a avaliação se dá diante de variáveis
macroeconômicas, e os nossos problemas estão no ambiente micro. Porém, existe
um elemento importante citado pela agência de classificação e que teve pouca
repercussão nas análises posteriores, que é a independência operacional do
Banco Central. A última reunião do Copom que sacramentou a elevação da meta Selic em um ambiente de riscos
inflacionários, contrariou a ala mais desenvolvimentista da equipe econômica do
atual governo, bem como chegou a suscitar discursos de que comprometeria o
crescimento econômico.
Entretanto, investidores e
analistas econômicos internacionais, pensaram de maneira deferente. O
raciocínio é muito simples. Se um dos pilares de sustentação da estabilidade de
preços no Brasil é o sistema de metas de inflação, a regra é clara: se há
riscos inflacionários, seja em expectativa ou não, o mesmo deve ser combatido
com as armas apropriadas, e comumente utilizadas por qualquer Banco Central, em
qualquer lugar do mundo, isto é, com a taxa de juros. Existem custos na sua
elevação? Sim, e não são poucos. Isso irá impedir o crescimento da economia
brasileira no longo prazo? Não, pois a perspectiva é de um aumento de cerca de
1,5 ponto percentual. Isso irá resolver o problema da demanda interna? Não,
pois cerca de 70% da inflação do ano já está dada pelo reajuste de preços
administrados e pelos produtos do grupo alimentação. Então, porque aumentar?
Para garantir a credibilidade do sistema e atuar sobre as expectativas.
Pensando dessa forma, os benefícios, no médio e longo prazo, são maiores que os
custos de ajuste no curto prazo.
Mas, estaria o Brasil
sozinho nesse barco? Não. Em uma amostra de 94 Bancos Centrais, 90 possuem como
objetivo legal a estabilidade monetária ou adotam um sistema de metas de
inflação. São aqueles que constituem o grupo denominado de “Bancos Centrais
modernos”. O que diferencia esses participantes é o grau de transparência nas
ações, na divulgação de relatórios, na credibilidade e no grau de
independência. Está provado que, quanto mais transparente for o sistema, mais
vantagens e menores os custos de ajuste na política monetária. Os agentes não são
pegos de surpresa, possuem acesso a informações de mercado e ao modo como o
Banco Central avalia a economia do País. Dessa forma, podem se antecipar e se
adequar melhor a mudanças no cenário. Da mesma maneira, podem cobrar da
instituição essa performance. Assim, quanto mais crível for um Banco Central,
mais certo estarão os agentes de que o objetivo de estabilidade de preços será
alcançado, contribuindo para reduzir os custos de ajuste.
Por fim, restou a
independência. Um tema espinhoso para ambas as partes, governo e Banco Central.
Atualmente, no Brasil, essa independência é de instrumentos porém, como se diz
popularmente “a relação se dá no fio do bigode”. Por enquanto está funcionando,
mas não nos deixemos enganar pelo ciclo de crescimento dos últimos cinco anos.
Como seria essa independência em um ambiente de maior exposição à crise, como
nos infortúnios primeiros oito anos do Plano Real? Elevar em 0,5 ponto
percentual os juros em uma economia crescendo 5% é politicamente mais fácil do
que em um cenário adverso.
O
grupo dos que avaliam a classificação de risco com certa restrição está certo.
Não estaremos sempre em um mar de rosas como nos últimos cinco anos. Precisamos
nos antecipar a tempos difíceis, e o tema da independência do Banco Central
deve voltar às discussões.
Publicado no Informe Econômico de 12/05/2008
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