terça-feira, 12 de agosto de 2014

Flertando perigosamente

         A inflação continua a surpreender a todos os agentes econômicos: i) as famílias que, ao se depararem com os preços altos começam a reduzir o consumo; ii) as empresas que flertam com a retração da demanda, de um lado, e a continuidade das pressões salariais de outro, pisam no freio da produção e, por tabela, postergam investimentos; iii) e o governo que também fica surpreendido, mas não parece preocupado.
                A ciência econômica nos mostra que há, fundamentalmente, dois canais de combate aos preços, o fiscal e o monetário (sim, também é possível usar o câmbio e fazer congelamento de preços, mas não são medidas eficientes). O primeiro canal é direto. Na medida em que o governo segura gastos, para um dado nível de arrecadação, contribui para retrair a demanda agregada da economia (não se preocupe, esse é o nome técnico dado pelos economistas para o PIB). O segundo não é direto, são ações paulatinas, demora um pouco mais de tempo para se materializarem e geram diversos outros impactos não desejados na economia. Vamos analisar um pouco de cada um.

              Os dados mais recentes de resultado fiscal sinalizam a materialização de um desequilíbrio que está em curso há mais de 10 anos. Desde 2003 que as receitas do Tesouro Nacional crescem a uma taxa média de 12,8% ao ano e as despesas 13,5% (sim, você continua a pagar muitos impostos, e acho que não vai parar por aí!). Pode parecer pouco mas, 1 ponto percentual de desequilíbrio ao ano depois de uma década torna-se significativo. Diante desse quadro, que acabou por contribuir para a redução da nota de classificação de risco do Governo Brasileiro ainda esse ano, alguma ação está sendo feita para controlar o avanço do gasto? Parece que não. Na verdade o que se nota é movimento de aumento de impostos, como visto no setor de bebidas, ou então de retirada de estímulos dados anteriormente, como no setor automobilístico. Além disso, a política de reajuste real do valor do salário mínimo é custo direto na previdência (a despesa aumenta mais que a receita para cada R$1 de aumento no salário mínimo). Por favor, me deixa dar mais um exemplo apenas. O seguro-desemprego. O gasto com essa rubrica era de R$ 14 bilhões em 2006 e, ao encerrar o ano de 2013, saltou para R$ 45 bilhões (nem vou comentar sobre as medidas anunciadas no dia 01 de maio). Pronto. Tire suas próprias conclusões sobre o esforço fiscal e dê sua nota de risco.
             Vamos à política monetária. Além do aumento de juros, que não está sendo suficiente para segurar o consumo, o Banco Central tem à sua disposição medidas como restrição de crédito encurtando os prazos e aumento do compulsório. Mas, de que adianta isso se os bancos públicos, que já representam mais de 52% do total de crédito na economia, continuam a aumentar suas carteiras de crédito? Além do mais, não há política monetária que dê conta de segurar preços na economia com uma política fiscal prá lá de frouxa. Por isso que a autoridade monetária já jogou a toalha, e também passou a ser torcedor.
                Vocês já sabem o que restou: i) usar o câmbio. Alguém duvidava disso? Ii) controle de preços. Bem, vamos ficar atentos para o fato de nos próximos meses ocorrer alguma visita oficial à Argentina e Venezuela.  Em resumo: estamos flertando perigosamente com o dragão.


Publicado em Maio de 2014

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